sábado, 11 de dezembro de 2010

em busca de oblivion

Ela estava na casa do Conrado, com ele, claro, quando resolveu sair para comprar algo ali por perto mesmo. Caminhava tranquilamente, até que, passando por uma esquina, viu uma moça sendo assaltada. Com medo, mudou de direção e foi para o outro caminho. Era uma bifurcação. 
Pegou o celular para ligar para a polícia, porém teve a sensação de que estava sendo perseguida. Guardou o aparelho e continuou  andando. Alguns instantes depois o assaltante a abordou. Ela entregou o aparelho dizendo que era a única coisa que tinha para dar (ele já tinha visto, não havia como negar) e foi embora assustada.
Ficou em estado de choque. Parou em uma lanchonete, passando um pouco mal. Desnorteada, precisou pedir informação de como fazia para chegar a casa de Conrado. Com a confusão acabou se perdendo. As pessoas no local perceberam que tinha ocorrido algo, perguntaram, ofereceram ajuda. Ela respondeu, mas por alguma razão não quis dizer o que lhe tinham roubado. Quis omitir o que haviam levado dela.
Tentou falar com Conrado de várias formas, mas ele não atendia. Voltou para a rua e pegou um táxi. 
Ela se sentia totalmente perdida, mas ao mesmo tempo reconhecia o local, o que tornava tudo ainda mais desesperador. 
O motorista rodava, rodava e não ia a lugar nenhum. A irritação foi tomando conta e a fez sair do carro. Continuou o caminho a pé. Caminhava sem saber para que lado ir, quando viu os dois bandidos (o que assaltou a moça e o que a assaltou). Tentou se esconder, mas num rompante, acabou indo atrás deles. Era inaceitável que eles estivessem ali com aquela pose e cara lavada toda, arrumados, vivendo, divertindo-se sem nenhum tipo de culpa e arrependimento, depois do que fizeram, enquanto ela estava ali, sozinha, perdida, nem um pouco animada e com a sensação horrorosa de quando algo nos é tirado abruptamente. 
Desistiu do ódio. Foi atrás de outro táxi, que era o melhor que fazia. Não valia a pena perder tempo com quem não merecia. 
No que ela entra no táxi, Conrado liga, ela havia esquecido que, por acaso, estava com dois aparelhos celulares naquele dia. Ele começou a falar, dizendo que tinha ouvido o recado e percebido seu desespero, mas que a Joana tinha acabado de chegar lá com  filho deles, que estava com febre, e ele precisava cuidar da criança. Ela, até então, não tinha conseguido abrir a boca para contar o acontecido, pois ele não parava de falar. Até que, finalmente, disse para ela ir até a casa dele, pois Joana já tinha ido embora e não voltaria mais naquele dia. 
(Tudo que era dela estava lá, de alguma forma precisaria ir até a casa de Conrado para buscar seus pertences.)
Em uma brecha, conseguiu, enfim, começar a falar. Ela não queria disputar a atenção com o filho dele. Não era justo, a criança estava doente. Ele disse que sabia que ela diria isso (ele sabia enxergá-la até de longe) e que não era para ela se preocupar. 
Ela só iria se ele a deixasse ajudá-lo, pois ela não se incomodaria de ficar com eles dois, cuidar do bebê, mas teve como resposta certa resistência a proposta. Conrado achava melhor não, pois se Joana ficasse sabendo não iria gostar.
Ela ainda estava dentro do táxi. E, novamente, sem conseguir chegar até casa de Conrado – inacreditável ninguém saber o caminho – quando, de repente, entra uma pessoa desconhecida no carro. Um garoto totalmente bêbado. 
Diante do circo aramado, achou mais fácil deixar as coisas na casa do Conrado. Já tinham lhe tirado o celular, ao menos a bolsa não estaria com ela por "escolha" própria.
Quando menos esperava, Conrado bate na janela do táxi e entra. Ela, com olhar de interrogação, não precisou nem perguntar. Ele foi logo explicando que havia conseguido um tempinho para ficar com ela, mas que tinha esquecido a mochila.
Ela ficou um pouco irritada, não era algo de valor material ou sem o qual não poderia viver, mas era dela, onde estavam guardadas coisas pessoais, íntimas. Coisas que deveriam estar com ela e com mais ninguém.  
Apesar de tudo, achou melhor abstrair. Conrado estava ali. Bastava. Mesmo sem seus pertences, num táxi que rodava sem rumo, ficou muito feliz com a presença dele. Tê-lo por perto era um alívio.
No entanto, nada a fazia esquecer que continuava perdida...

sábado, 14 de agosto de 2010

sábado, 19 de junho de 2010

o gigante

A gente não se fala mais, eu nem sei mais por onde você anda, eu até tenho o impulso de tentar de novo com outros homens, mas eu só sinto nojo. 
(...)
Eu tenho um milhão de motivos pra fugir de pensar em você, mas em todos esses lugares você vai comigo. Você segura na minha mão na hora de atravessar a rua, você me olha triste quando eu olho para o celular pela milésima vez, você sente orgulho de mim quando eu solto uma gargalhada e você vira o rosto se algum homem vem falar comigo. Você prefere não ver, mas eu vejo você o tempo todo.
 
Eu torço pra não fazer Sol, eu torço pra não chover, eu torço para acordar no meio do dia, eu torço para o dia acabar logo. Eu torço para ter alguma coisa que me faça torcer, que me diga que eu ainda sei torcer por algo mesmo sem torcer pela gente. 
Minha dança é queda equilibrada, minhas roupas novas são fantasias, meu sorriso é espasmo de dor, minha caminhada reta é um círculo que sempre me traz até aqui, meu sono é cansaço de realidade, minha maquiagem é exagerada, meu silêncio é o grito mais alto que alguém já deu, minhas noites são clarões horríveis que me arregaçam o peito e nada pode me embalar e aquecer, o frio é interno, o incômodo é interno, nenhum lugar do mundo me conforta. 
Minha fome é sobrevivência, minha vontade é mecânica, minha beleza é esforço, meu brilho é choro, meus dias são pontes para os dias de verdade que virão quando essa dor acabar, meus segundos são sentidos em milésimos de segundos, o tempo simplesmente não passa. 
Às vezes tento não ser eu, porque se eu não for eu, eu não sentirei essa dor. Mas o amor é tanto que até as outras todas que eu posso ser também o sentem. 
Hoje menos que ontem, amanhã menos que hoje, e por aí vai. 
Vou implodir esse gigante dentro de mim e soltar seu pó a cada manhã sem fome que faz doer o corpo todo, a cada banho sem intenção, a cada tarde sem recompensas, a cada noite sem magia, a cada madrugada sem paz. 
Um dia o gigante vai cair morto igual ao King Kong e chega dessa dor, dessa incerteza, desse silêncio, dos dias se arrastando, do ódio, das imagens doentias na minha cabeça, da saudade espada que furou meu centro e aumenta o diâmentro a cada movimento. 
Só vai sobrar uma tristeza eterna em saber, como todos que já viram esse filme sabem, que o rei da selva, o dono do pedaço, o forte, o poderoso, o assustador, o monstro inabalável que bate no peito e destrói qualquer um, só queria ser amado pela frágil mocinha. 
Daqui de longe, enquanto escrevo esse texto chorando mais do que cabe no meu rosto, ouvindo pela milésima vez a música do Damien Rice e sem vontade nenhuma de ter vontade nenhuma, eu escuto seu riso alto, exagerado e constante. E eu só consigo ter mais pena de você do que de mim. 




Tati Bernardi

quarta-feira, 16 de junho de 2010

“SE TÊM A VERDADE, GUARDEM-NA!”*



Por um bom tempo eu consegui não falar... Mas eu só não falei, porque pensar eu continuei pensando. E pensar sem falar parece que deixa as coisas maiores...
Eu me sinto uma idiota, mas tudo bem, não tem problema.
Começou assim: encontrei uma amiga que eu não via há tempos. Contamos novidades, histórias e falei para ela sobre o caso mais recente que tive.
E ela logo perguntou: — Você ainda é apaixonada por ele, né?
Disse que não, que era algo que tinha passado, uma lembrança agradável, essas coisas.
Ela: — Mas isso não explica o brilho nos seus olhos enquanto você fala.
Óbvio que fiquei totalmente sem graça. Era lógico que eu falava com empolgação, foi algo bom que eu vivi.
Enfim, papo vai, papo vem...
Disse que tinha terminado com ele porque a situação, apesar de tudo, não estava mais sendo saudável para mim.
Então minha amiga pronuncia a fatídica frase: — Ah, então você não amava ele.
As palavras caíram em mim como uma bomba.
Não me espantei com ela tentando explicar o comentário o mais rápido possível, pois se bem me conheço, fiz alguma expressão que entregava o meu mais profundo pensamento.
Portanto, continuou: — Se você amasse, não teria sido tão fácil. Você simplesmente abriu mão. Quem ama não desiste assim, de uma hora para outra...
Eu discordei, claro. Dei minha opinião, falei o que achava.
Ela entendeu meu ponto – ou pelo menos fingiu que entendeu –, entendi o dela e fomos embora, cada uma de volta para a sua vida.
Certo. Eu fui embora, mas os pensamentos vieram comigo. A frase ecoava na minha cabeça.
O comentário dela mexeu muito comigo. Mas muito. Praticamente colocou na berlinda tudo eu penso sobre amor, tudo que eu achei que era sentir amor, tudo que eu senti. Como se já não bastassem as minhas frequentes dúvidas, as minhas noias de estimação, as minhas inseguranças e tudo que na minha cabeça parece mentira ou invenção.
Foi ficando tudo tão dolorido aqui dentro, que eu já nem sabia mais.
Então me dizem: — Primeiro a gente se ama, para depois amar os outros.
E foi justamente isso que me fez sair da situação. Pensar em como me sinto é um erro? É egoísmo me amar mais do que amar outra pessoa?
Um fato: isso não queria dizer que eu não o amasse, que eu não o ame. Muito menos que foi fácil. NÃO ESTÁ SENDO FÁCIL. Até hoje.
Acho que ninguém melhor do que quem passa para saber a força e a coragem necessárias para fazer determinadas escolhas e por um bom tempo ter que conviver com a incerteza: será que realmente tomei o caminho certo ou poderia ter agido diferente?
Puta decisão difícil – sério. Desistir do que se quer, abrir mão de quem se ama não é simples.
Então, por favor, não me venham com conclusões! Eu não quero saber.








*Apropriei-me de versos de LISBON REVISITED (1923), poema de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa).

¬ http://www.revista.agulha.nom.br/facam15.html

terça-feira, 1 de junho de 2010

coincidência

Algumas coisas realmente me assustam.


MARFIM

A moça desceu os degraus com o robe
monografado no peito: L. M. sobre o coração.
Vamos iniciar outra Correspondência, ela
propôs. Você já amou alguém verdadeiramente?
Os limites do romance realista. Os caminhos do
conhecer. A imitação da rosa. As aparências
desenganam. Estou desenganada. Não reconheço
você, que é tão quieta, nessa história. Liga
amanhã outra vez sem falta. Não posso
interromper o trabalho agora. Gente falando por
todos os lados. Palavra que não mexe mais no
barril de pólvora plantado sobre a torre de
marfim.


Ana Cristina César

domingo, 30 de maio de 2010

"se nada mais der certo leia clarice"

Hoje tive uma lembrança muito feliz a respeito do primeiro livro da Clarice Lispector que eu li. Tinha por volta dos 16 anos, talvez não entendesse muito bem algumas coisas (como continuo não entendendo, lógico), mas foi uma leitura visceral e, obviamente, inesquecível. 
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Eu deveria ter imaginado que essa história me acrescentaria algo. Bem, eu me apaixonei por Clarice (assim, íntima mesmo) desde então. Tenha certeza: qualquer identificação é mera coincidência...

“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra pra frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.” 


Ps.: O título do post é de um conto do José Eduardo Agualusa, escritor angolano.



sábado, 8 de maio de 2010

cocô



        "A psicanálise estava errada. É na vida adulta que a gente precisa aprender a dar tchau pros cocôs."


Sejamos realistas: muita gente ri, conta piada, fala... mas no fundo todo mundo tem suas arestas quando o assunto é merda. Merda, cocô, escatologia, no geral. Tabu? Vergonha? Por que? Qualquer pessoa normal vai ao banheiro. Qual a dificuldade disso? Bem, o fato de eu estar falando a respeito não é nenhuma revolta, é mais uma necessidade de entender mesmo.
Alguém já sonhou com fezes? Eu já. Tive sonhos recorrentes e não foi agradável. Então, enquanto pessoa psicanalisada (HAHAHA), resolvi refletir e pesquisar sobre o tema, e, quem sabe, compreender melhor essa história.
Os sonhos se baseavam mais ou menos na seguinte cena: Ev, apertada, chega ao banheiro, olha o vaso sanitário e este está absurdamente entupido (até não poder mais) de cocô. Muito a contra gosto (porque a merda não era dela), Ev tenta limpar a zona, puxar a descarga, mas a porcaria não desce. O sonho seguinte não fica melhor. Além das fezes na privada, há também na pia, e mais uma vez Ev tenta dar um jeito da situação, sem muito êxito. No terceiro sonho o negócio fica ainda mais tenso, a coisa começa a vazar e fugir do controle, causando assim, um certo desespero, sensação de "preciso sair daqui! para onde eu vou?". Daí para frente só piora.
Desagradável, não é? Imagina sonhar com isso. Mas, pensem bem: o que são as fezes, se não o resto não aproveitado do que nós ingerimos? Aquilo que precisamos colocar para fora. Todos defecam. Só que é horrível pensar que mantivemos dentro de nós aquilo que é o resto, que fede, que é feio, que ninguém precisa saber que está dentro de nós, o que temos de mais íntimo. 
Tratei de ir procurar saber o que pensavam a respeito e achei Freud (foi bem divertido, não canso de me surpreender com os estudos dele e rir, claro). Uma das coisas que li foi sobre o cocô ser a primeira forma de comunicação do bebê. Impressionante isso. É a primeira "coisa" que a criança divide com aquela que é a pessoa mais próxima dele, ou seja, é quando ele percebe que aquilo, de alguma forma, chama a atenção e faz com que a mãe se aproxime, e 'fale' com ele. 
Então o cocô é algo que está dentro dele, que não serve mais, e que ao colocar para fora, como resultado, ganha interação. Resumindo: é uma conversa! Uma forma possível de diálogo. Tentei usar isso para entender meus sonhos. Pensei sobre o que está acontecendo na minha vida atualmente e acho que consegui fazer uma boa análise. 
Todos os caminhos me levam a crer que preciso resolver certos problemas de comunicação. Quando sonho com o banheiro da minha casa, imagino que já signifique muita coisa. Por que não consigo descartar todo aquele lixo (emocional?)? Quanto mais o tempo passa, mais a merda aumenta e a dificuldade também. Não é a toa o desespero! Algo está transbordando e que está complicado de esconder. Não seria novidade se este vazamento de merda estivesse atrapalhando minha vida, impedindo minhas escolhas e inibindo minha movimentação. 
Vale lembrar que estava tentando consertar -inutilmente- a merda alheia. O que, obviamente, fazia com que não tivesse espaço para a minha própria merda. Qualquer semelhança com a minha vida, não é mera coincidência...
Imagino que meu inconsciente esteja tentando me alertar a respeito de algo essencial. O que significa não puxar a descarga? Por que eu tento limpar e não adianta? É porque eu tento sozinha ou por que não sou que tenho que fazer isso? Será que eu não consigo me separar disso? Quais são obstáculos a serem ultrapassados? 
Uma coisa é certa: é necessário evacuar o que não serve, o que está ocupando o espaço que deveria ser de algo de que eu realmente precise. Mas, enfim, depois de muito refletir, concluí que anda se mostrando indispensável uma limpeza emocional... e que eu devia agradecer por não ter prisão de ventre...   



sexta-feira, 7 de maio de 2010

estilo


— Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?


in Os Passos em Volta - Estilo, Herberto Helder

domingo, 2 de maio de 2010

o proibido

AMORES IMPOSSÍVEIS

"Desculpem o trocadilho infame, mas a vida é feita de altos e baixos. Altos, fortes, morenos, sensuais, possíveis e aquele baixinho, meio esquisito, que não sai da sua cabeça.Impressionante como a gente sofre por nada. Um cheiro que mexe com você, um jeito de olhar contido, uma idéia inteligente, várias na verdade. Não, não é nada disso, a gente sofre é pela impossibilidade.
Desde que o mundo é mundo não há nada mais afrodisíaco do que a proibição.
E se a Julieta tivesse visto o Romeu acordar com mau hálito? E se o Romeu descobrisse o chulé da Julieta? Convivência é foda.
Pois é, aquele baixinho esquisito não pertence ao grupo dos amores possíveis, a graça dele pode durar uma eternidade, dependendo do seu grau de estupidez criativa.
Ele não quer nada com você, já tem alguém, pertence a um caminho que passa longe do seu, sabe cumé? Pertence ao campo dos idealizados, sonhados e distantes, o que faz dele enorme, lá no pedestal.
E nada melhor do que as lacunas da improbabilidade para esquentar uma paixão. Nessas lacunas você tem espaço para criar a história como quiser, ganha poder, inventa. Ele é seu, seu personagem.
Nesses espaços livres você coloca todos os seus sonhos, toda a sua imaginação. Cenas completas com fundo musical e palavras certas, finais e desfechos inesperados.
Quando você menos espera, ele faz mais parte da sua vida do que você mesma.
Mas a realidade aparece mais cedo mais tarde, vem como uma angústia. Parece vontade de fazer xixi, mas é tesão reprimido. Tesão reprimido deve dar câncer. Era só um cara interessante, agora pode te matar.
Pronto, você está apaixonada. E a paixão tem suas etapas.
Primeiro a negação: eu apaixonada? Imagina. Ele é impossível, nunca vai me dar bola, muito menos duas com o que eu quero no meio.
Depois a maximização: ele é mais inteligente, mais bonito, mais engraçado. E todos os mais possíveis para que ele seja mais desafio para você, mais inveja para as suas amigas, se você aparecer com ele na festa, mais fadinhas dançantes para fazer cosquinha no seu ego problemático.
Daí é a vez da "superlativização": em vez de ser mais, ele é "o mais", o mais fodido, o mais inteligente e o mais gostoso.
E você está a um passo do endeusamento: "ele é único", aí fodeu.Se ele é único, ele é a sua única chance de ser feliz. E, se ele não quer nada com você, você acaba de perder a sua única chance de ser feliz. Bem-vinda à depressão.Como você é ridícula, amor platônico é para adolescentes.
Lá fora há milhares de possibilidades de felicidade, de felicidades possíveis. De realidade. E você eternamente trancada na porta que o mundo fechou na sua cara. Fazendo questão de questionar e atentar o inexistente.                                                                    
Vá viver um grande amor.
Olha, faça um favor para mim, antes de tremer as pernas pelo inconquistável e apagar as luzes do mundo por um único brilho falso, olhe dentro de você e pergunte: estupidez, masoquismo ou medo de viver de verdade?"


TATI BERNARDI

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"Olheiras, ossos e escárnio"

[...]
"Com você e todo esse amor, eu consigo apenas me largar pelos cantos assustada. Isso é vida? Eu não quero andar duas quadras no sol com você. Porque te amar assim, me dá medo de enfartar ou da minha pressão cair. Não sei. Eu quero deitar e esperar passar tudo. Eu quero te olhar deitada enquanto seguro um copo com água de coco geladinha. Porque você não sabe, mas tenho corrido maratonas e vencido monstros gigantescos para conseguir sentir tudo isso sem arrancar minha cabeça fora. E quando você, ao invés de me esperar no pódio de chegada com pomadas e isotônicos, me olha desconfiado ou entediado de tudo, eu quase desejo que dessa vez eu morra no meio da corrida. Porque é ridículo achar que você faz tudo valer a pena, mas, no fundo, acabo achando que você faz tudo valer a pena. Isso é vida?"
[...]


http://www.tatibernardi.com.br/textos.php?id=234&y=2008&tit=Olheiras%2C-ossos-e-esc%E1rnio

quarta-feira, 14 de abril de 2010

GAFANHOTO

Gafanhoto…
Castanho e verde…
Lindo e saltarico…
Que salta e pula…
Que se deixa agarrar…
E também acariciar…
Que muda de cor…
Que muda de querer…
E eu…
Vejo-te…
Em praga…
Pela minha cidade…
E vejo…
A azáfama…
De correr correr…
Para te apanhar…
Panelas e caixas…
Tudo pela rua…
Porque tu…
Apesar de saltares…
És um petisco…
E tens que voar…
Tens que fugir…
Para continuares a saltar!...


Cidalia Laranjo

quinta-feira, 1 de abril de 2010

pout-pourri

"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. "


“Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."


"A vida é agora, aprende. Ainda outra vez tocarão teus seios, lamberão teus pêlos, provarão teus gostos. E outra mais, outra vez ainda. Até esqueceres faces, nomes, cheiros. Serão tantos. O pó se acumula todos os dias sobre as emoções."


"— Deixa que a loucura escorra em tuas veias. E quando te ferirem, deixa que o sangue jorre enlouquecendo também os que te feriram."


"tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essas história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha vida ,veja só que coisa mais individualista, elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara."


"Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais - por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma  fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido."

domingo, 21 de março de 2010

desejo é efêmero

Vou pôr anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.



António Franco Alexandre

sexta-feira, 19 de março de 2010

desgaste

Eu gostaria de entender como é que pode existir gente que consegue sugar nossa energia com um mero ato. Por que? Maldade, ódio latente, prazer? Um dia descobrirei, quem sabe...
O desgaste é enorme e o que ganham? O mundo precisa de leveza. Não disso. Fico inconformada. Mas quem se importa?
No momento, só consigo me sentir impotente diante da canalhice e da covardia humana. Eu, sinceramente, tenho vergonha. Das piores. E pena. Sim, MUITA pena.
Que retorne em dobro.

quinta-feira, 18 de março de 2010

força



“Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa.  [...] E se ela se afogar, se recupera. [...] E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça – que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca – levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário…por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo.”
[Caio Fernando Abreu]

foi por ela


SAMBA-CANÇAO
(Ana Cristina César)

Tantos poemas que perdi.


Tantos que ouvi, de graça,


pelo telefone – taí,


eu fiz tudo pra você gostar,


fui mulher vulgar,


meia-bruxa, meia-fera,


risinho modernista


arranhando na garganta,


malandra, bicha,


bem viada, vândala,


talvez maquiavélica,


e um dia emburrei-me,


vali-me de mesuras


(era comércio, avara,


embora um pouco burra,


porque inteligente me punha


logo rubra, ou ao contrário, cara


pálida que desconhece


o próprio cor-de-rosa,


e tantas fiz, talvez


querendo a glória, a outra


cena à luz de spots,


talvez apenas teu carinho,


mas tantas, tantas fiz...

sábado, 13 de março de 2010

"palavra (en)cantada"

Ode descontínua e remota para flauta e oboé.
De Ariana para Dionísio.


I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.


III
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
A uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?


IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem
Quando veem a petúnia
Ou a chuva de granizo.
Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana
Não essa que te louva
A cada verso
Mas outra
Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.
Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E por isso talvez
Te aborreças de mim.


(...)




X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.





Hilda Hilst. Poesia: 1959-1979. São Paulo: Quíron; Brasília: INL, 1980.

segunda-feira, 8 de março de 2010

correnteza II

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.


Fernando Pessoa, 11-9-1933

quarta-feira, 3 de março de 2010

tempo verbal

Você passou por uma fase difícil, mas está finalmente alcançando um equilíbrio. Encontra-se em um momento no qual não espera nada de ninguém. Quer curtir! Procura diversão, algo ou alguém com quem passar o tempo, nada sério. Então, eis que aparece na sua vida aquela pessoa a quem você não dava nada, e encontra nela aquele 'quê' especial. Essa pessoa vai se tornando cada vez mais presente nos seus dias, você passa a achar quase essencial que ela exista em sua vida, e é maravilhoso porque foi inesperado e praticamente improvável. A partir dali, enxerga essa pessoa como uma promessa de uma grande amizade, alguém que você preza muito. Certo dia, 'A' pessoa por quem você criou um apreço confessa (ou admite) um interesse por você. Isso é chocante, você se assusta, mas entra no jogo - afinal, você está em momento de descobertas e novas experiências -, cedendo a investida e aceitando um encontro. E tudo corre as mil maravilhas. A conversa foi ótima como sempre. E o beijo... o beijo foi como se aquelas bocas fossem destinadas uma a outra. Você se alegra, saltita como uma criança de 9 anos, mas para. Volta a realidade e lembra que a hora é de curtição. E assim se mantém firme e forte. Nada de envolvimento. Mas a pessoa parece estar em outra vibração. Corresponde de forma completamente diferente aquilo. Mostra-se ali, coloca sentimento, tem atitudes que você nem sonharia, demonstra uma entrega aquilo, que você não imaginava que ela seria capaz. Você se rende, se envolve e se apaixona. Pronto, por água abaixo aquela história da diversão. Você tentou e ainda bem que não conseguiu. Você não iria querer ter perdido a chance de viver uma das coisas mais lindas que já tinha vivido até então. Você ama e se sente amado. É tudo maravilhoso, apesar das dificuldades e das controvérsias. Você desafia a ordem, a ética e o tempo. Maldito tempo! Ele cismava em correr quando não devia e a caminhar a passos curtos quando deveria se apressar. O tempo. Ele passou. E como tudo que é doce uma hora enjoa, amanheceu e a pessoa foi embora. Não podia mudar a rotina, burlar aquele sitema, modificar o que já era estabelecido. Acabou. E você ficou pensando na razão disso. Como chegaram aquele ponto? Por que essa pessoa tinha feito tudo aquilo? Quem poderia imaginar? Você teve ódio, raiva, ficou desacreditado, supôs que tudo o que vivera tinha sido uma mentira. Sofreu. Quis uma porção de coisas horríveis, pensou barbaridades, rogou praga... Mas passou. A vida seguiu. Até que em uma situação corriqueira, te fazem uma pergunta besta que você não consegue responder. Você esqueceu? Você fica aflito e não consegue parar de pensar no assunto. Passam-se dias e por acaso você lembra. Isso te deixa impressionado. O tempo, apesar de pouco, se encarregou de fazer você esquecer um bocado de beleza, uma série de sorrisos, um monte de palavras e um catatau de coisas boas daquela história. Como poderia ter esquecido daquilo? Algo tinha que ser apagado, lógico, mas tudo? O tempo era necessário, mas quanto? O suficiente. E você se questiona se quer mesmo isso. Não! Você não quer esquecer a pessoa. Você sabe o quanto ela foi importante na sua vida, o quanto a amizade dela vinha te acrescentado. Então, ainda meio incerto, você vai atrás da memória. Não havia necessidade de bloquear. Se tivesse sido ruim, tudo bem, mas não foi! e você estava convencido disto. Você trata de tomar uma atitude - se acostumou a dar o primeiro passo - e tudo parece transcorrer perfeitamentemente bem. Você fica satisfeito. Até que te surge a imagem: um riso e um olhar que não são por sua causa. Um desconforto.................... que não dura!!!!! Sorri, enfim, como quem descobre o presente. Sim, é esse o tempo adequado.

terça-feira, 2 de março de 2010

sou dupla, tripla, múltipla.

GÊMEOS
por Sérgio Frug
O curioso e divertido signo de Gêmeos nada mais é do que uma celebração ao poder da comunicação.
Ser geminiano é navegar entre uma coisa e outra, estabelecendo a relação; mas quase nunca sabendo direito qual é o seu verdadeiro lugar.
Geminianos influem demais na vida das pessoas, já que possuem o dom da palavra, embora quase nunca percebam muito bem o que estão fazendo. É coisa que é preciso dizer e pronto! A vida é assim...
Geminianos experientes, porém, ou evoluídos, como se costuma dizer por aí, acabam descobrindo muito de si próprios quando se animam a mergulhar nesses processos inconscientes.
Somos duplos; dizem os amigos, os amantes, os estudiosos. Mas a verdade é que dentro de nós bate apenas um coração. E sabemos muito bem a quem amamos, a quem queremos ou não, ainda que isso também não fique muito claro para todo mundo.
A gente gosta mesmo é de disfarçar. Assumir diferentes personalidades, mas sem nunca perder a fidelidade. Talvez não a você, caro amigo, mas com certeza a nós mesmos. Portadores únicos da nossa verdade.
Perdemos o pé, com certeza; perdemos o chão e nos dispersamos pelo mundo dos sonhos piscianos que de alguma forma atraem o nosso coração. E assim somos...
Fortes como os arianos, estáveis como os taurinos, sensíveis como os cancerianos. Somos sempre o que quisermos, basta que aconteça, ninguém tem nada com isso...
Temos idéias brilhantes, viva o elemento Ar! Captamos a coisa na curva e quase sempre surpreendemos os menos avisados, hehehe; só nós mesmos para sabermos relacionar...
E por que será que escapamos tão facilmente das garras daqueles que querem nos controlar? Por que somos um povo livre, mais uma vez alegre e divertido, eternas crianças brincalhonas. Cientes dos nossos deveres, mas sempre dispostos a aprontar...
Esse é o nosso jeito, a nossa natureza, o nosso prazer e a nossa dificuldade.
Cansamos de explicar, justificar e lutar por fazer entender; achando que com a razão tudo se pode resolver.
Mas isso também não é assim e ai do geminiano que não aprende também a sentir, a fazer, a se movimentar. Suas palavras de repente deixam de surtir efeito, seus pensamentos não levam a mais nada e o coração, coitado, logo começa a murchar.
Fuja dessas doenças, fuja das eternas discussões improdutivas, fuja do cigarro e vá logo aprender a nadar. E permeando então o elemento Água (que facilmente se deixa penetrar), você se juntará aos companheiros que já deram efetivos passos na direção deles mesmos...
A verdade é que chega um momento em que nos complicamos com o nosso eterno pensar. É preciso aproximar-se do Fogo, para então podermos nos transformar. Descobrir dentro de nós a chama do sagrado, o frenesi da divindade, para que as coisas voltem a ter sentido e a gente acorde bem disposto, sabendo como será belo esse novo dia que temos a desvendar. Ainda que seja a Morte que venha nos observar...

[...]

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

sonho

Me considero uma pessoa com um inconsciente absurdamente ativo. A quantidade de sonhos que tenho, não é brincadeira. Será que eu tenho tanta coisa para saber assim? Devo ter, a quantidade de perguntas que faço, não é a toa que ele fica tentando me fornecer respostas. Outro dia, por exemplo, acordei com uma palavra na cabeça. Eu sonhei a noite inteira com ela, que ficava lá, flutuando. Sinceramente, eu não lembro de já ter escutado, lido ou visto ela em algum lugar, mas então, por que diabos ela apareceu ali? Alguma razão haveria de ter!
Na Grécia escreviam o nome de um infeliz numa placa de argila e iam marcando cada vez que desrespeitava as regras. Quando chegava a um determinado número de tracinhos, era banido do local por alguns anos. Essa espécie de julgamento era chamada de ostracismo que, basicamente, significa: isolamento, exclusão, esquecimento, banimento, exílio, repúdio, repulsa, afastamento das funções ou de um grupo, confinamento voluntário ou não. Lógico que eu fui pesquisar. Eu fiquei curiosa!
Sabrina diz que a falta de objetividade do inconsciente é necessária as vezes. Deve ser porque algumas verdades são duras demais para serem olhadas de frente, então ele vai nos dando informações, pistas e sentido.
Isso me impressionou bastante. O sonho, o significado da palavra, lembranças, experiências que tive, atitudes... Algumas coisas são realmente difíceis de encarar.
Nota mental: nunca subestime a mente humana.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

o inesperado

Eu estava indo muito bem. Até perder um pouco o ritmo (no Carnaval isso costuma ser essencial).
Bem, nunca disse que essa vida era para mim, rs, e de forma ou de outra, eu tenho minha cadência...
A pé ou não, com chave ou sem, embebedando navios ou mantendo-os sóbrios... não importa. As vezes nos surpreendemos ao dobrar a esquina. Nem tudo é como queremos ou gostaríamos, mas isso não quer dizer que não possa ser bom.
Enfim, para frente é que se anda. É preciso dar lugar na passarela e não atrapalhar a evolução.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

"aponta pra fé e rema"

Esta noite vou embebedar os meus navios
Rasgar os meus poemas
E as minhas raras (raríssimas)
Cartas de amor


Esta noite vou ser horrível
Pior do que o costume
Vou desabobadar os céus da minha esperança
Viga por viga estrela por estrela


Esta noite vou embebedar os meus navios
Vou deixar de falar a imensa gente
Vou encontrar um sábio chinês
Que me recitará poemas muito simples
Insuportáveis de tão belos


Esta noite vou destruir mapas antigos
Abrir certas janelas e quebrar
A possibilidade de alguém mais entrar na minha vida


Esta noite vou pedir perdão aos meus amigos
E escrever uma última carta sem a mínima sombra de sentimentalismo


Esta noite vou embebedar os meus navios



Alberto de Lacerda
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1961.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

cansei de andar de ônibus

Não quero mais ser obrigada a ir por um caminho que não é o que eu escolho. Cansei de ir onde me levam, de pegar carona...
O medo não é meu, é deles. Dar partida é complicado. Principalmente quando não acreditam em você, quando acham que você é frágil demais ou que precisa de proteção. Sinceramente? No fundo eles gostam da dependência.
Acho que devem pensar que se eu estiver na direção, não me seguram mais. Bem, devo admitir que eles podem estar certos quanto a isso. Convenhamos! Está mais que na hora de estar com o volante nas mãos.
Decidido: ou a chave ou vou ver a vida a pé (pelo menos eles me levam onde eu bem entendo). Posso até não ter sentido, mas eu sei onde quero ir.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

dívida

Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.


António Franco Alexandre
In Uma fábula
Assírio & Alvim, Editores

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

por que?

Por que é tão difícil? Por que não paro de pensar? Por que doi? Por que não esquecer? Por que eu sempre perco a aposta? Por que eu não controlo isso? Por que eu tenho que calar? Por que não devo ir? Por que continuar? Por que não? Por que sentir? Por que não gostar? Por que estar? Por que ser? Por que não rir? Por que abstrair? Por que não concordar? Por que chorar? Por que fingir? Por que esperar? Por que seguir? Por que só? Por que sim? Por que saber? Por que tentar? Por que ouvir? Por que querer?
Por que jurar? Por que não dormir? Por que ser forte? Por que iludir? Por que questionar? Por que sofrer? Por que amar? Por que não agir? Por que parar?

Bobagem. Quem precisa de respostas?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

aposta

Você já fez aposta com você mesmo e perdeu? Eu já. Eu prometi para mim que não faria algo e apostei que conseguiria. E adivinhem? Me dei mal. Agora tenho que pagar o preço dessa constrangedora derrota.
O fato é: eu estou aprendendo a não esperar muito das pessoas. E como (muito bem) colocou Mari, no twitter, sobre esse meu comentário: quando não se espera nada de ninguém, há duas possibilidades. Uma é ter uma feliz surpresa e a outra é tudo ficar na mesma, afinal, pior não fica.
Pensar assim me livra, obviamente, de muitas frustrações. Mas não de todas, porque no fundo eu ainda acredito, ingenuamente, no melhor desses animais que chamamos de seres humanos. E diga-se de passagem, os animais, apesar de irracionais, aparentam ter muito mais coração que muita gente por aí.
Enfim, devo e não nego. Perdi a aposta.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

na raça, no amor e na paixão.

O que eu queria dizer mesmo é que eu acordei hoje com a péssima sensação de que o Flamengo perderia. E a sensação se confirmou durante o primeiro tempo inteiro. Sei que é horrível, mas não esperava muito. O Fluminense está com um bom time e o Flamengo tem os problemas de sempre, embora venha fazendo algumas bleas jogadas e até que boas partidas.
Pois é,  quase cheguei as lágrimas durante o primeiro tempo. Acho que nunca fiquei assim por causa de um jogo de futebol. Começou o segundo tempo. Estava cabisbaixa, irritada com as provocações adversárias, mas ali. Torcendo, gritando, querendo que as coisas fossem diferentes. E foram!!! Não acreditei na mudança de atitude do time! Na força, na garra e na raça, conquistou a vitória. Foi dramático, sofrido, um "ai, jesus", mas valeu a pena o desespero. O desfecho não poderia ter sido mais emocionante.
Então hoje, só hoje, não abrirei mão da usual arrogância flamenguista, e direi que esse é - SIM - o melhor time do Brasil, que não há torcida como a nossa e que merecemos tudo isso. E, para fechar, não poderia deixar de comentar: de virada é MUITO MAIS GOSTOSO. Perdoem-me, amigos tricolores! =D

"Na regata, ele me mata,
Me maltrata, me arrebata.
Que emoção no coração!
Consagrado no gramado;
Sempre amado;
O mais cotado nos fla-flus é o 'ai, jesus!'
Eu teria um desgosto profundo,
Se faltasse o flamengo no mundo.
Ele vibra, ele é fibra,
Muita libra já pesou.
Flamengo até morrer eu sou!"

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

a chave

Será que só eu que acho que pensar as vezes é um tormento? Queria tanto que minha cabeça parasse de funcionar por uns 10 minutos. Nada mais que isso. Só para saber como seria a sensação.
São tantos assuntos que ficam rodeando ao mesmo tempo, que eu fico até cansada. Sem falar que poderiamos ter certo controle, como: "Não quero pensar nisso, próximo assunto!". Mas não!!! Quanto mais a gente tenta fugir, mais a gente pensa! É impressionante.
Essa minha revolta se deve a um único questionamento que não saiu da minha mente essa semana: me fiz essa pergunta todos os dias, sem conseguir chegar perto de uma resposta.
Fui então encontrar Sabrina (minha psicóloga - sim, eu faço terapia), mais angustiada que nunca. Precisava de um encaminhamento, uma palavra de consolo, mas não. Ela - lógico - me botou para pensar mais e mais. O que (como era de se esperar) desencadeou um pequeno discurso meu.
Ao ouvir o que eu mesma dizia, acabei por me dar conta que são nos detalhes que encontramos alguns esclarecimentos. Foi aí que chegamos ao ponto alto da sessão: Sabrina  fez a bendita pergunta. A tal que não me dava sossego, que tinha me tirado tantas noites de sono, que tinha me feito querer parar de pensar.
E imaginem! A resposta saiu fácil. Era estupidamente evidente. Como eu poderia esquecer? Tão óbvio que eu não vi. Assim como não vemos tudo que é óbvio porque - claro - é tão óbvio que descartamos sem ao menos darmos uma chance para serem vistos (generalizando).
A pergunta, no momento, é irrelevante. O fato é: uma abertura foi criada, ainda não está escancarada, mas eu só precisava de um micro feixe de luz. A 'janelinha' - o detalhe bobo - está me ajudando a ir em direção a porta. Depois disso é só encontrar a chave...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

correnteza

Sinais

1. Pura expiação:
te beijar a nuca
sem querer retorno
sem pedir perdão
deliberadamente
sem horizonte
ou pressa.


2. Vero tormento
o sutil sussurro
d'água subterrânea
jorrando dentro de mim,
a correr para um só lado:
represa.


Vera Americano


(usando a palavra alheia para dar 'forma' a minha voz interior)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

insensibilidade: mal do século?

Tem horas que a maneira mais fácil de dizer é usando a palavra dos outros, portanto não me privarei de dividir o que ando lendo: me apropriarei da fala alheia, desavergonhadamente, para exprimir alguma coisa do que se passa por aqui.
Para mim, a literatura (generalizando mesmo) mexe, causa emoção. Não é fácil. O primeiro contato não é sempre lindo e esclarecedor. Mas quando deixamos ela entrar, algo dentro de nós muda, sei lá, ocorre um estalo. É muito além da superfície que está a verdadeira beleza, percebo isso. 
Falando agora mais especificamente, imagino que um poema  alcança seu objetivo (se é que existe um) quando consegue fazer o leitor sentir o que lê, ou pelo menos se identificar. Deve ser essa a função da poesia: fazer sentir.


(Cá entre nós, as pessoas por aí andam precisando um pouco disso.)

 
Mais literatura para o mundo, por favor, ou daqui a pouco morreremos de falta de sensibilidade.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

sobre redescobertas e términos

Abro a porta
Há visita
E não era sem tempo
O presente rompe
Mostro a casa,
os cômodos e
o passado.
Quero que conheça.
 - Deixa a bolsa na poltrona.
Senta-se. Conversa-se.
Olha pela janela. Se vê:
o centro
o porto
da cidade as luzes
cá dentro a claridade
de outro mundo
outro espaço
se expande
Boto-te a mesa
come-se, bebe-se
Sacia toda a vontade e
o sofá nos serve.
O tempo passa
- Mas ainda é cedo!
os copos ficam
os corpos
vão,
a casa vã
E eu...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

tentativa

Para algumas pessoas começar é a parte mais difícil de um processo. Dar o ponta pé inicial realmente requer algum esforço, mas para mim dar continuidade a algo é quase uma missão impossível. Terminar então...
Enfim, a intenção é manter uma frequência, por isso resolvi redescobrir esse mundo de blogs (depois de um longo tempo afastada), exercitando a continuidade e dividindo meus devaneios e pensamentos. São duas provações, diga-se de passagem. Espero conseguir. Como já disse: começar é fácil. Difícil é manter.