domingo, 7 de fevereiro de 2010

"aponta pra fé e rema"

Esta noite vou embebedar os meus navios
Rasgar os meus poemas
E as minhas raras (raríssimas)
Cartas de amor


Esta noite vou ser horrível
Pior do que o costume
Vou desabobadar os céus da minha esperança
Viga por viga estrela por estrela


Esta noite vou embebedar os meus navios
Vou deixar de falar a imensa gente
Vou encontrar um sábio chinês
Que me recitará poemas muito simples
Insuportáveis de tão belos


Esta noite vou destruir mapas antigos
Abrir certas janelas e quebrar
A possibilidade de alguém mais entrar na minha vida


Esta noite vou pedir perdão aos meus amigos
E escrever uma última carta sem a mínima sombra de sentimentalismo


Esta noite vou embebedar os meus navios



Alberto de Lacerda
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1961.

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