domingo, 21 de março de 2010

desejo é efêmero

Vou pôr anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.



António Franco Alexandre

sexta-feira, 19 de março de 2010

desgaste

Eu gostaria de entender como é que pode existir gente que consegue sugar nossa energia com um mero ato. Por que? Maldade, ódio latente, prazer? Um dia descobrirei, quem sabe...
O desgaste é enorme e o que ganham? O mundo precisa de leveza. Não disso. Fico inconformada. Mas quem se importa?
No momento, só consigo me sentir impotente diante da canalhice e da covardia humana. Eu, sinceramente, tenho vergonha. Das piores. E pena. Sim, MUITA pena.
Que retorne em dobro.

quinta-feira, 18 de março de 2010

força



“Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa.  [...] E se ela se afogar, se recupera. [...] E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça – que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca – levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário…por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo.”
[Caio Fernando Abreu]

foi por ela


SAMBA-CANÇAO
(Ana Cristina César)

Tantos poemas que perdi.


Tantos que ouvi, de graça,


pelo telefone – taí,


eu fiz tudo pra você gostar,


fui mulher vulgar,


meia-bruxa, meia-fera,


risinho modernista


arranhando na garganta,


malandra, bicha,


bem viada, vândala,


talvez maquiavélica,


e um dia emburrei-me,


vali-me de mesuras


(era comércio, avara,


embora um pouco burra,


porque inteligente me punha


logo rubra, ou ao contrário, cara


pálida que desconhece


o próprio cor-de-rosa,


e tantas fiz, talvez


querendo a glória, a outra


cena à luz de spots,


talvez apenas teu carinho,


mas tantas, tantas fiz...

sábado, 13 de março de 2010

"palavra (en)cantada"

Ode descontínua e remota para flauta e oboé.
De Ariana para Dionísio.


I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.


III
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
A uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?


IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem
Quando veem a petúnia
Ou a chuva de granizo.
Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana
Não essa que te louva
A cada verso
Mas outra
Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.
Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E por isso talvez
Te aborreças de mim.


(...)




X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.





Hilda Hilst. Poesia: 1959-1979. São Paulo: Quíron; Brasília: INL, 1980.

segunda-feira, 8 de março de 2010

correnteza II

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.


Fernando Pessoa, 11-9-1933

quarta-feira, 3 de março de 2010

tempo verbal

Você passou por uma fase difícil, mas está finalmente alcançando um equilíbrio. Encontra-se em um momento no qual não espera nada de ninguém. Quer curtir! Procura diversão, algo ou alguém com quem passar o tempo, nada sério. Então, eis que aparece na sua vida aquela pessoa a quem você não dava nada, e encontra nela aquele 'quê' especial. Essa pessoa vai se tornando cada vez mais presente nos seus dias, você passa a achar quase essencial que ela exista em sua vida, e é maravilhoso porque foi inesperado e praticamente improvável. A partir dali, enxerga essa pessoa como uma promessa de uma grande amizade, alguém que você preza muito. Certo dia, 'A' pessoa por quem você criou um apreço confessa (ou admite) um interesse por você. Isso é chocante, você se assusta, mas entra no jogo - afinal, você está em momento de descobertas e novas experiências -, cedendo a investida e aceitando um encontro. E tudo corre as mil maravilhas. A conversa foi ótima como sempre. E o beijo... o beijo foi como se aquelas bocas fossem destinadas uma a outra. Você se alegra, saltita como uma criança de 9 anos, mas para. Volta a realidade e lembra que a hora é de curtição. E assim se mantém firme e forte. Nada de envolvimento. Mas a pessoa parece estar em outra vibração. Corresponde de forma completamente diferente aquilo. Mostra-se ali, coloca sentimento, tem atitudes que você nem sonharia, demonstra uma entrega aquilo, que você não imaginava que ela seria capaz. Você se rende, se envolve e se apaixona. Pronto, por água abaixo aquela história da diversão. Você tentou e ainda bem que não conseguiu. Você não iria querer ter perdido a chance de viver uma das coisas mais lindas que já tinha vivido até então. Você ama e se sente amado. É tudo maravilhoso, apesar das dificuldades e das controvérsias. Você desafia a ordem, a ética e o tempo. Maldito tempo! Ele cismava em correr quando não devia e a caminhar a passos curtos quando deveria se apressar. O tempo. Ele passou. E como tudo que é doce uma hora enjoa, amanheceu e a pessoa foi embora. Não podia mudar a rotina, burlar aquele sitema, modificar o que já era estabelecido. Acabou. E você ficou pensando na razão disso. Como chegaram aquele ponto? Por que essa pessoa tinha feito tudo aquilo? Quem poderia imaginar? Você teve ódio, raiva, ficou desacreditado, supôs que tudo o que vivera tinha sido uma mentira. Sofreu. Quis uma porção de coisas horríveis, pensou barbaridades, rogou praga... Mas passou. A vida seguiu. Até que em uma situação corriqueira, te fazem uma pergunta besta que você não consegue responder. Você esqueceu? Você fica aflito e não consegue parar de pensar no assunto. Passam-se dias e por acaso você lembra. Isso te deixa impressionado. O tempo, apesar de pouco, se encarregou de fazer você esquecer um bocado de beleza, uma série de sorrisos, um monte de palavras e um catatau de coisas boas daquela história. Como poderia ter esquecido daquilo? Algo tinha que ser apagado, lógico, mas tudo? O tempo era necessário, mas quanto? O suficiente. E você se questiona se quer mesmo isso. Não! Você não quer esquecer a pessoa. Você sabe o quanto ela foi importante na sua vida, o quanto a amizade dela vinha te acrescentado. Então, ainda meio incerto, você vai atrás da memória. Não havia necessidade de bloquear. Se tivesse sido ruim, tudo bem, mas não foi! e você estava convencido disto. Você trata de tomar uma atitude - se acostumou a dar o primeiro passo - e tudo parece transcorrer perfeitamentemente bem. Você fica satisfeito. Até que te surge a imagem: um riso e um olhar que não são por sua causa. Um desconforto.................... que não dura!!!!! Sorri, enfim, como quem descobre o presente. Sim, é esse o tempo adequado.

terça-feira, 2 de março de 2010

sou dupla, tripla, múltipla.

GÊMEOS
por Sérgio Frug
O curioso e divertido signo de Gêmeos nada mais é do que uma celebração ao poder da comunicação.
Ser geminiano é navegar entre uma coisa e outra, estabelecendo a relação; mas quase nunca sabendo direito qual é o seu verdadeiro lugar.
Geminianos influem demais na vida das pessoas, já que possuem o dom da palavra, embora quase nunca percebam muito bem o que estão fazendo. É coisa que é preciso dizer e pronto! A vida é assim...
Geminianos experientes, porém, ou evoluídos, como se costuma dizer por aí, acabam descobrindo muito de si próprios quando se animam a mergulhar nesses processos inconscientes.
Somos duplos; dizem os amigos, os amantes, os estudiosos. Mas a verdade é que dentro de nós bate apenas um coração. E sabemos muito bem a quem amamos, a quem queremos ou não, ainda que isso também não fique muito claro para todo mundo.
A gente gosta mesmo é de disfarçar. Assumir diferentes personalidades, mas sem nunca perder a fidelidade. Talvez não a você, caro amigo, mas com certeza a nós mesmos. Portadores únicos da nossa verdade.
Perdemos o pé, com certeza; perdemos o chão e nos dispersamos pelo mundo dos sonhos piscianos que de alguma forma atraem o nosso coração. E assim somos...
Fortes como os arianos, estáveis como os taurinos, sensíveis como os cancerianos. Somos sempre o que quisermos, basta que aconteça, ninguém tem nada com isso...
Temos idéias brilhantes, viva o elemento Ar! Captamos a coisa na curva e quase sempre surpreendemos os menos avisados, hehehe; só nós mesmos para sabermos relacionar...
E por que será que escapamos tão facilmente das garras daqueles que querem nos controlar? Por que somos um povo livre, mais uma vez alegre e divertido, eternas crianças brincalhonas. Cientes dos nossos deveres, mas sempre dispostos a aprontar...
Esse é o nosso jeito, a nossa natureza, o nosso prazer e a nossa dificuldade.
Cansamos de explicar, justificar e lutar por fazer entender; achando que com a razão tudo se pode resolver.
Mas isso também não é assim e ai do geminiano que não aprende também a sentir, a fazer, a se movimentar. Suas palavras de repente deixam de surtir efeito, seus pensamentos não levam a mais nada e o coração, coitado, logo começa a murchar.
Fuja dessas doenças, fuja das eternas discussões improdutivas, fuja do cigarro e vá logo aprender a nadar. E permeando então o elemento Água (que facilmente se deixa penetrar), você se juntará aos companheiros que já deram efetivos passos na direção deles mesmos...
A verdade é que chega um momento em que nos complicamos com o nosso eterno pensar. É preciso aproximar-se do Fogo, para então podermos nos transformar. Descobrir dentro de nós a chama do sagrado, o frenesi da divindade, para que as coisas voltem a ter sentido e a gente acorde bem disposto, sabendo como será belo esse novo dia que temos a desvendar. Ainda que seja a Morte que venha nos observar...

[...]