sábado, 19 de junho de 2010

o gigante

A gente não se fala mais, eu nem sei mais por onde você anda, eu até tenho o impulso de tentar de novo com outros homens, mas eu só sinto nojo. 
(...)
Eu tenho um milhão de motivos pra fugir de pensar em você, mas em todos esses lugares você vai comigo. Você segura na minha mão na hora de atravessar a rua, você me olha triste quando eu olho para o celular pela milésima vez, você sente orgulho de mim quando eu solto uma gargalhada e você vira o rosto se algum homem vem falar comigo. Você prefere não ver, mas eu vejo você o tempo todo.
 
Eu torço pra não fazer Sol, eu torço pra não chover, eu torço para acordar no meio do dia, eu torço para o dia acabar logo. Eu torço para ter alguma coisa que me faça torcer, que me diga que eu ainda sei torcer por algo mesmo sem torcer pela gente. 
Minha dança é queda equilibrada, minhas roupas novas são fantasias, meu sorriso é espasmo de dor, minha caminhada reta é um círculo que sempre me traz até aqui, meu sono é cansaço de realidade, minha maquiagem é exagerada, meu silêncio é o grito mais alto que alguém já deu, minhas noites são clarões horríveis que me arregaçam o peito e nada pode me embalar e aquecer, o frio é interno, o incômodo é interno, nenhum lugar do mundo me conforta. 
Minha fome é sobrevivência, minha vontade é mecânica, minha beleza é esforço, meu brilho é choro, meus dias são pontes para os dias de verdade que virão quando essa dor acabar, meus segundos são sentidos em milésimos de segundos, o tempo simplesmente não passa. 
Às vezes tento não ser eu, porque se eu não for eu, eu não sentirei essa dor. Mas o amor é tanto que até as outras todas que eu posso ser também o sentem. 
Hoje menos que ontem, amanhã menos que hoje, e por aí vai. 
Vou implodir esse gigante dentro de mim e soltar seu pó a cada manhã sem fome que faz doer o corpo todo, a cada banho sem intenção, a cada tarde sem recompensas, a cada noite sem magia, a cada madrugada sem paz. 
Um dia o gigante vai cair morto igual ao King Kong e chega dessa dor, dessa incerteza, desse silêncio, dos dias se arrastando, do ódio, das imagens doentias na minha cabeça, da saudade espada que furou meu centro e aumenta o diâmentro a cada movimento. 
Só vai sobrar uma tristeza eterna em saber, como todos que já viram esse filme sabem, que o rei da selva, o dono do pedaço, o forte, o poderoso, o assustador, o monstro inabalável que bate no peito e destrói qualquer um, só queria ser amado pela frágil mocinha. 
Daqui de longe, enquanto escrevo esse texto chorando mais do que cabe no meu rosto, ouvindo pela milésima vez a música do Damien Rice e sem vontade nenhuma de ter vontade nenhuma, eu escuto seu riso alto, exagerado e constante. E eu só consigo ter mais pena de você do que de mim. 




Tati Bernardi

quarta-feira, 16 de junho de 2010

“SE TÊM A VERDADE, GUARDEM-NA!”*



Por um bom tempo eu consegui não falar... Mas eu só não falei, porque pensar eu continuei pensando. E pensar sem falar parece que deixa as coisas maiores...
Eu me sinto uma idiota, mas tudo bem, não tem problema.
Começou assim: encontrei uma amiga que eu não via há tempos. Contamos novidades, histórias e falei para ela sobre o caso mais recente que tive.
E ela logo perguntou: — Você ainda é apaixonada por ele, né?
Disse que não, que era algo que tinha passado, uma lembrança agradável, essas coisas.
Ela: — Mas isso não explica o brilho nos seus olhos enquanto você fala.
Óbvio que fiquei totalmente sem graça. Era lógico que eu falava com empolgação, foi algo bom que eu vivi.
Enfim, papo vai, papo vem...
Disse que tinha terminado com ele porque a situação, apesar de tudo, não estava mais sendo saudável para mim.
Então minha amiga pronuncia a fatídica frase: — Ah, então você não amava ele.
As palavras caíram em mim como uma bomba.
Não me espantei com ela tentando explicar o comentário o mais rápido possível, pois se bem me conheço, fiz alguma expressão que entregava o meu mais profundo pensamento.
Portanto, continuou: — Se você amasse, não teria sido tão fácil. Você simplesmente abriu mão. Quem ama não desiste assim, de uma hora para outra...
Eu discordei, claro. Dei minha opinião, falei o que achava.
Ela entendeu meu ponto – ou pelo menos fingiu que entendeu –, entendi o dela e fomos embora, cada uma de volta para a sua vida.
Certo. Eu fui embora, mas os pensamentos vieram comigo. A frase ecoava na minha cabeça.
O comentário dela mexeu muito comigo. Mas muito. Praticamente colocou na berlinda tudo eu penso sobre amor, tudo que eu achei que era sentir amor, tudo que eu senti. Como se já não bastassem as minhas frequentes dúvidas, as minhas noias de estimação, as minhas inseguranças e tudo que na minha cabeça parece mentira ou invenção.
Foi ficando tudo tão dolorido aqui dentro, que eu já nem sabia mais.
Então me dizem: — Primeiro a gente se ama, para depois amar os outros.
E foi justamente isso que me fez sair da situação. Pensar em como me sinto é um erro? É egoísmo me amar mais do que amar outra pessoa?
Um fato: isso não queria dizer que eu não o amasse, que eu não o ame. Muito menos que foi fácil. NÃO ESTÁ SENDO FÁCIL. Até hoje.
Acho que ninguém melhor do que quem passa para saber a força e a coragem necessárias para fazer determinadas escolhas e por um bom tempo ter que conviver com a incerteza: será que realmente tomei o caminho certo ou poderia ter agido diferente?
Puta decisão difícil – sério. Desistir do que se quer, abrir mão de quem se ama não é simples.
Então, por favor, não me venham com conclusões! Eu não quero saber.








*Apropriei-me de versos de LISBON REVISITED (1923), poema de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa).

¬ http://www.revista.agulha.nom.br/facam15.html

terça-feira, 1 de junho de 2010

coincidência

Algumas coisas realmente me assustam.


MARFIM

A moça desceu os degraus com o robe
monografado no peito: L. M. sobre o coração.
Vamos iniciar outra Correspondência, ela
propôs. Você já amou alguém verdadeiramente?
Os limites do romance realista. Os caminhos do
conhecer. A imitação da rosa. As aparências
desenganam. Estou desenganada. Não reconheço
você, que é tão quieta, nessa história. Liga
amanhã outra vez sem falta. Não posso
interromper o trabalho agora. Gente falando por
todos os lados. Palavra que não mexe mais no
barril de pólvora plantado sobre a torre de
marfim.


Ana Cristina César